Polêmica: startup britânica vendeu uma Inteligência Artificial falsa

A polêmica em torno da venda de uma Inteligência Artificial falsa por uma startup britânica abalou o setor de tecnologia e investimentos nos últimos meses. Desse modo, a empresa em questão, a Builder.ai, que havia atraído a atenção global e acumulado centenas de milhões de dólares em investimentos de gigantes como a Microsoft, revelou-se um castelo de cartas montado sobre promessas de automação que nunca existiram. 

Em vez de utilizar tecnologia avançada e algoritmos para entregar seus serviços, a startup se baseava em trabalho humano intensivo, escondido sob uma fachada de inovação. Ou seja, esse escândalo não só colocou em xeque a credibilidade da empresa, como também levantou dúvidas sobre a real maturidade de muitas soluções tecnológicas no mercado atual.

Portanto, neste texto, entenderemos a polêmica onde uma startup britânica vendeu uma IA falsa, bem como exploraremos outros escândalos dessa empresa. Além disso, iremos ver outro caso parecido e também discutir se é possível que haja contextos semelhantes que ainda são desconhecidos. Finalmente, listaremos algumas lições a aprender com o mesmo.

Entenda a polêmica onde uma startup britânica vendeu IA falsa

Fundada em 2015, a Builder.ai se apresentava como uma plataforma de desenvolvimento de software “no-code”, ou seja, capaz de construir aplicativos sem a necessidade de programação manual. A grande inovação da empresa seria a assistente virtual Natasha, que montava aplicativos como se fossem peças de Lego, prometendo agilidade, economia e praticidade para negócios de todos os tamanhos.

Porém, a realidade era bem diferente. De acordo com investigações, denúncias internas e análises de especialistas do setor, a Builder.ai operava com cerca de 700 engenheiros na Índia, que eram os verdadeiros responsáveis por desenvolver os aplicativos encomendados pelos clientes. 

Tais profissionais escreviam o código manualmente, sob orientação da matriz britânica, mas os clientes acreditavam estar lidando com uma plataforma de Inteligência Artificial autônoma e automatizada.

Esse modelo de operação foi cuidadosamente disfarçado. A empresa mascarava o trabalho humano sob jargões tecnológicos e interfaces gráficas chamativas, iludindo clientes e investidores. 

Com isso, a Builder.ai conseguiu captar mais de US$445 milhões, boa parte vindos de investidores respeitados, como a própria Microsoft, que acreditaram no potencial da plataforma e na promessa de uma revolução no desenvolvimento de software.

Denúncias e colapso

O esquema começou a ruir quando ex-funcionários e colaboradores terceirizados passaram a vazar informações sobre o verdadeiro funcionamento da empresa. A partir daí, investigações mais profundas revelaram que os engenheiros na Índia realizavam quase todo o trabalho de desenvolvimento, contrariando a narrativa oficial da Builder.ai.

Posteriormente, o caso ganhou repercussão internacional, principalmente após publicações como a Bloomberg trazerem à tona documentos e depoimentos que mostravam a magnitude da farsa. Em pouco tempo, a startup passou de unicórnio promissor a símbolo de fraude tecnológica.

Mais escândalos da startup britânica além dessa polêmica

Além da falsa automação, a Builder.ai se envolveu em práticas financeiras que são altamente questionáveis. Um dos principais esquemas identificados foi o “round-tripping”, realizado em parceria com a startup indiana VerSe Innovation. Essa prática consiste na emissão de faturas de valores similares entre empresas parceiras para inflar artificialmente a receita, sem que ocorra de fato uma troca de serviços ou produtos.

Sendo assim, entre os anos de 2021 e 2024, a Builder.ai e a VerSe trocaram faturas que ajudaram a superestimar as vendas da startup britânica em até 300%. Isso foi crucial para manter a confiança dos investidores e credores, especialmente durante as rodadas de financiamento. Porém, à medida que a verdadeira natureza das operações foi revelada, essa maquiagem contábil acabou contribuindo para o colapso financeiro da empresa.

Viola Credit e a insolvência da Builder.ai

O impacto dessa fraude contábil foi sentido diretamente pelas instituições financeiras que apoiaram a Builder.ai. Em 2023, o fundo Viola Credit congelou US$37 milhões da empresa após o não pagamento de dívidas. Tal bloqueio de ativos foi o estopim para o início do processo formal de insolvência no Reino Unido, com a nomeação de um administrador judicial encarregado de tentar recuperar parte dos recursos para os credores.

Investigação internacional

Diante da gravidade das denúncias, autoridades estadunidenses iniciaram investigações formais. Elas emitiram intimações para que a Builder.ai fornecesse documentos detalhados sobre suas políticas contábeis, listas de clientes e relatórios financeiros. A empresa chegou a reconhecer publicamente que havia “inconsistências” em suas vendas históricas, mas se recusou a divulgar a extensão das irregularidades.

Outro caso parecido com a polêmica da startup britânica

A Builder.ai não foi a única a vender um produto altamente automatizado que, na prática, dependia de trabalho humano. Um exemplo semelhante veio à tona em 2024, quando a Amazon anunciou o fim do sistema “Just Walk Out”.

Tal recurso foi implementado em suas lojas de conveniência. Desse modo, a proposta era que o cliente entrasse na loja, escolhesse os produtos e saísse sem precisar passar por um caixa, graças ao uso de sensores e câmeras inteligentes.

No entanto, investigações revelaram que o sistema, em sua forma operacional, dependia de mais de 1.000 funcionários na Índia que analisavam manualmente os vídeos das compras para corrigir erros no reconhecimento automático. 

Esse trabalho manual era fundamental para garantir que os clientes fossem cobrados corretamente. Tal contexto desmontou a ideia de que se tratava de um processo totalmente automatizado.

A transição para novos modelos

Diante do alto custo e das limitações do modelo, a Amazon decidiu substituir o “Just Walk Out” por carrinhos com scanners e caixas de autoatendimento, reconhecendo publicamente que a tecnologia anterior não era tão independente quanto se acreditava. A admissão serviu como um alerta sobre a tendência de empresas prometerem automação total enquanto dependem fortemente de mão de obra barata em outros países.

Esse caso, assim como o da Builder.ai, evidencia uma falha sistêmica na transparência de soluções tecnológicas vendidas como inovadoras, mas que ainda carecem de autonomia real para operar sem intervenção humana significativa.

Recentemente, a Amazon passou por uma polêmica parecida com a da startup britânica.
Recentemente, a Amazon passou por uma polêmica parecida com a da startup britânica. | Foto: DALL-E 3

É possível que haja mais casos semelhantes a essa polêmica e que ainda sejam desconhecidos?

Infelizmente, sim. O sucesso inicial da Builder.ai e o caso da Amazon indicam que há um incentivo mercadológico para exagerar a capacidade das tecnologias vendidas, principalmente quando há capital de risco envolvido. 

Startups, ao competir por atenção e financiamento, muitas vezes prometem mais do que são capazes de entregar. Isso cria expectativas irreais tanto em investidores quanto em clientes.

Muitas dessas empresas operam em mercados que têm baixa regulamentação e alta complexidade técnica. Isso é algo que dificulta a fiscalização e facilita a manipulação de dados. 

Além disso, os investidores nem sempre têm o conhecimento técnico necessário para questionar as soluções oferecidas. Com isso, confiam cegamente nas apresentações feitas por fundadores carismáticos e materiais de marketing bem produzidos.

Portanto, é plausível afirmar que outros casos semelhantes à polêmica da Builder.ai possam estar ocorrendo neste exato momento, ainda encobertos por uma narrativa de disrupção e inovação.

Lições a aprender com a polêmica da startup britânica

Transparência como valor inegociável

Um dos principais aprendizados do caso Builder.ai é a importância da transparência nas operações e promessas de empresas de tecnologia. Startups que realmente acreditam em sua missão devem ser honestas quanto às limitações de seus produtos e aos processos envolvidos na entrega dos serviços.

Due diligence e ceticismo são fundamentais

Investidores e clientes precisam adotar uma postura mais crítica e analítica diante de propostas muito promissoras. A realização de auditorias técnicas e contábeis detalhadas, bem como a busca por opiniões independentes, pode evitar que casos de fraude ou má gestão passem despercebidos.

Necessidade de regulamentação

A falta de regulamentação específica para startups e empresas de IA contribui para a proliferação de práticas enganosas. Da mesma forma como ocorreu com o setor financeiro após grandes escândalos, é necessário criar diretrizes claras e mecanismos de controle, especialmente no que diz respeito à automação e ao uso de dados sensíveis.

O papel da mídia e dos denunciantes

A exposição da Builder.ai só foi possível graças ao trabalho de jornalistas investigativos e denúncias internas. Isso mostra a importância de garantir canais seguros para delações e de apoiar o jornalismo independente, que exerce papel crucial na responsabilização das empresas.

Conclusão

Resumindo, a polêmica envolvendo a Builder.ai vai muito além de uma startup que não entregou o que prometeu. Ou seja, tal contexto escancara as fragilidades de um ecossistema que ainda valoriza mais o marketing do que a substância, mais as promessas do que a realidade. 

A ilusão da automação total, quando sustentada por estruturas humanas escondidas e finanças que são manipuladas, coloca em risco não apenas o capital investido. Paralelamente, afeta também a própria confiança na inovação tecnológica.

É preciso repensar a forma como avaliamos a viabilidade de soluções que têm base em Inteligência Artificial e exigir mais responsabilidade de empresas e pessoas que prometem grandes mudanças para o futuro. Afinal, a polêmica da Builder.ai é um alerta que não pode ser ignorado.

Fique atento às promessas de automação e inovação. Em outras palavras, antes de investir ou contratar soluções de IA, pesquise a fundo e exija transparência. Não seja vítima da próxima polêmica do setor de tecnologia!

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