O uso de reconhecimento facial em condomínios tem se tornado cada vez mais comum, tanto em ambientes residenciais quanto comerciais. Em tal sentido, a promessa é de mais segurança e praticidade para o controle de acesso, substituindo chaves, senhas ou cartões por uma simples leitura do rosto.
No entanto, essa prática tem gerado um intenso debate jurídico e ético, principalmente porque pode colidir com os princípios e com as exigências da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Desse modo, a tecnologia, embora inovadora, carrega riscos significativos de privacidade e proteção de dados. Ou seja, especialistas e órgãos de proteção ao consumidor estão considerando a mesma como uma possível violação legal, caso sua aplicação não ocorra corretamente.
Assim, neste artigo, explicaremos os motivos pelos quais o reconhecimento facial em condomínios conflita com a LGPD, bem como refletiremos sobre o que pode ser feito em relação a isso. Juntamente com isso, iremos listar os argumentos dos condomínios sobre esse contexto e também explorar a importância dessa discussão. Por último, elencaremos algumas lições que podem ser aprendidas com a situação.
Por que o reconhecimento facial em condomínios conflita com a LGPD?
É cada vez mais comum que o acesso a condomínios esteja condicionado à coleta de dados como por exemplo nome, RG, CPF e até placas de veículos. Sendo assim, a situação se agrava quando são utilizados mecanismos de reconhecimento facial.
Isso ocorre pois nesse processo são utilizados os chamados dados pessoais sensíveis. Ou seja, no caso, temos os dados biométricos, que demandam uma maior proteção tanto jurídica quanto técnica.
Durante anos, essa coleta foi feita de forma praticamente automática, sem transparência ou qualquer tipo de informação clara ao titular dos dados. Desse modo, a justificativa padrão sempre foi a segurança, e isso bastava para que condôminos, visitantes e prestadores de serviço aceitassem passivamente o fornecimento dos dados.
A aplicação da LGPD em condomínios
Com o advento da LGPD (Lei nº 13.709/2018), passou a ser obrigatório que qualquer tratamento de dados pessoais (inclusive nos condomínios) siga os princípios legais estabelecidos, como finalidade, necessidade, transparência, segurança e não discriminação.
Paralelamente, a Resolução CD/ANPD nº 2/2022 confirma que condomínios se enquadram como agentes de tratamento de pequeno porte, o que não os isenta de cumprir com as exigências da lei.
Isso significa que antes de coletar dados, especialmente os sensíveis, os condomínios devem informar claramente os titulares sobre o que será feito com essas informações, por quanto tempo serão armazenadas e de que maneira serão protegidas. Em adição, também devem garantir que os dados não sejam utilizados para fins discriminatórios ou abusivos.
As bases legais para tratamento de dados
Além dos princípios do artigo 6º, o tratamento de dados deve estar amparado por alguma das bases legais listadas no artigo 7º da LGPD. Quando falamos de dados sensíveis, como os envolvidos no reconhecimento facial, a exigência é ainda maior, pois se aplicam as hipóteses do artigo 11 da mesma lei.
Nesse contexto, a base legal mais comum invocada por condomínios é o consentimento do titular ou a garantia da segurança do titular e de terceiros. Contudo, essas bases nem sempre são suficientes para legitimar a coleta de dados biométricos.
O que pode ser feito em relação a esse contexto do reconhecimento facial?
Mesmo que a instalação do reconhecimento facial e também de câmeras de segurança em áreas comuns não exija, em regra, o consentimento expresso do titular dos dados, os condomínios devem adotar uma série de medidas para que o tratamento das imagens respeite a LGPD. Dessa forma, tais medidas incluem:
- Escolha estratégica dos locais de instalação das câmeras com o intuito de evitar a captura indevida de imagens;
- Fixação de avisos visíveis indicando a existência da vigilância;
- Armazenamento seguro das imagens;
- Controle de acesso às imagens por pessoas autorizadas;
- Treinamento dos funcionários e prestadores de serviço que terão acesso às imagens.
Especificidades do reconhecimento facial
O uso do reconhecimento facial vai além da simples vigilância por câmeras. Em outras palavras, ele envolve a identificação e autenticação de pessoas por meio de características únicas e imutáveis, como o rosto. As imagens que essa tecnologia processa se enquadram como dados biométricos, que recebem a classificação de dados sensíveis, de acordo com o artigo 5º, II, da LGPD.
Para que o tratamento desses dados seja legal, deve haver uma base legal válida prevista no artigo 11 da LGPD. No entanto, é importante destacar que o legítimo interesse não está entre essas hipóteses para dados sensíveis.
Devido a isso, o condomínio deve adotar uma abordagem extremamente cautelosa. Ou seja, deve oferecer alternativas ao reconhecimento facial e evitar torná-lo o único meio de acesso ao local.

Os argumentos dos condomínios em relação a esse contexto do reconhecimento facial
Muitos condomínios justificam o uso do reconhecimento facial com base em uma preocupação com segurança. Em outras palavras, argumentam que a tecnologia impede fraudes, garante o controle preciso de quem entra e sai e reduz a possibilidade de invasões ou até mesmo acessos não autorizados.
Alguns também invocam a base legal prevista no artigo 11, “g”, da LGPD, que autoriza o tratamento de dados sensíveis quando necessário para a prevenção à fraude e segurança do titular dos dados. No entanto, esse argumento pode ser frágil se o condomínio não demonstrar que:
- Não havia outro meio menos invasivo de alcançar o mesmo objetivo;
- Foram adotadas medidas com o intuito de reduzir os riscos aos titulares;
- Há proporcionalidade e adequação entre a finalidade pretendida e o meio utilizado.
Riscos de violação de princípios legais
Mesmo quando a intenção é legítima, o uso de reconhecimento facial pode violar os princípios da necessidade e da adequação. Sendo assim, o condomínio deve sempre questionar se precisa, de fato, tratar dados sensíveis e se há outras formas menos intrusivas de garantir a segurança.
Também é necessário ressaltar que a adoção da tecnologia não pode ser um atalho para a eficiência à custa da privacidade. Além disso, deve haver um canal transparente para que os titulares possam exercer seus direitos, como por exemplo o de acesso, correção e eliminação dos dados, conforme previsto na LGPD.
A importância da discussão sobre uma possível ilegalidade do reconhecimento facial
A legalidade do reconhecimento facial em condomínios já é algo questionado por entidades como por exemplo o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Em outras palavras, tais instituições consideram a prática desproporcional e invasiva, especialmente quando o morador ou visitante não tem outra alternativa para acessar o condomínio.
Nesse sentido, a própria Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já manifestou preocupação com a utilização indiscriminada de dados biométricos em diversos contextos, e vem intensificando sua atuação para garantir que não ocorra o uso de maneira abusiva das tecnologias invasivas e que estão em desacordo com a LGPD.
O risco de sanções legais e reputacionais
Caso um condomínio trate dados pessoais sem observar as exigências da LGPD, poderá ser alvo de sanções administrativas. Entre elas, temos exemplos como advertência, multa ou até a proibição do uso dos dados coletados.
Juntamente com isso, a imagem do condomínio perante os moradores e o mercado pode ser afetada negativamente. Isso é algo que pode gerar impactos na valorização dos imóveis e também no relacionamento entre os condôminos.
Lições a aprender com o contexto do reconhecimento facial e da LGPD
Educação e conscientização são essenciais
O cenário atual exige que síndicos, administradoras e condôminos passem a enxergar a privacidade como um direito fundamental, e não como um obstáculo à segurança. Em outras palavras, é necessário que realizem a coleta e o tratamento de dados com responsabilidade, transparência e embasamento legal.
Sendo assim, é fundamental que os condomínios criem políticas de privacidade internas, revisem seus contratos com fornecedores de tecnologia, promovam treinamentos e também estabeleçam canais de comunicação com os titulares dos dados.
O uso ético da tecnologia
A tecnologia, por si só, não é boa nem ruim. Em tal sentido, todo esse contexto depende de como se utiliza a mesma. Sendo assim, o reconhecimento facial em condomínios pode até ser útil em determinadas situações.
Porém, isso acontece desde que eles respeitem os direitos dos titulares e que esse recurso seja utilizado com parcimônia e esteja sempre alinhado aos princípios da LGPD. Logo, oferecer opções, informar com clareza e proteger os dados deve ser a regra, e não a exceção.
Em resumo, o uso do reconhecimento facial em condomínios representa um avanço tecnológico, mas que esbarra em uma série de obrigações legais previstas na LGPD. Para que essa ferramenta seja utilizada de forma legítima, é preciso muito mais do que apenas justificar com a palavra “segurança”. Adicionalmente, é necessário planejamento, consentimento, transparência e, sobretudo, respeito à privacidade dos cidadãos.
Quer entender melhor como adequar um condomínio à LGPD e evitar problemas legais com o uso de reconhecimento facial? Fale com especialistas e garanta que a proteção de dados seja uma prioridade no local de interesse, pensando tanto em responsabilidade quanto em segurança.